"O teatro é isso: a arte de nos vermos a nós mesmos, a arte de nos vermos vendo!"
(Augusto Boal)

terça-feira, 26 de abril de 2011

A palavra do terapeuta


Gustav Klimt


O clínico está sempre atrás da palavra. Velado pela palavra, a persegue. A palavra-ato do terapeuta tem a função de abrir novas trilhas no campo, provocar desvios, rasgar a carne. Com Manuel de Barros, o clínico pode afirmar que "os delírios verbais me terapeutam".
A essa exeriência, da palavra à frente, da palavra como "escondidos traços", Lindolf Bell atribui a emergência de algo "arcaico, pungente". Experiência clínica, diríamos...

Fiquemos com seu poema:


PROCURO A PALAVRA PALAVRA

Não é a palavra fácil
Que procuro.
Nem a difícil sentença,
Aquela da morte,
A da fértil e definitiva solitude.
A que antecede este caminho sempre de repente.
Onde me esgueiro, me soletro,
Em fantasias de pássaros, homem, de serpente.

Procuro a palavra fóssil.
A palavra antes da palavra.

Procuro a palavra palavra.
Esta que me antecede
E se antecede na aurora
E na origem do homem.

Procuro desenhos
Dentro da palavra.
Sonoros desenhos, tácteis,
Cheiros, desencantos e sombras.
Esquecidos traços. Laços.
Escritos, encantos reescritos.
Na área dos atritos.
Dos detritos.
Em ritos ardidos da carne
E ritmo do verbo.
Em becos metafísicos sem saída.

Sinais, vendavais, silêncios.
Na palavra enigmam restos, rastos de animais,
Minerais da insensatez.
Distâncias, circunstâncias, soluços,
Desterro.

Palavra são seda, aço.
Cinza onde faço poemas, me refaço.

Uso o raciocínio.
Procuro na razão.

Mas o que se revela arcaico, pungente,
Eterno e para sempre vivo,
Vem do buril do coração.

(Lindolf Bell)

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